quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O EXEMPLO DE PEDRINHO

Myrtes Matias

Tudo começou naquele dia 
em que Pedrinho a conheceu: 
era toda verde, 
os raios brilhantes, 
o farol enorme. 
- a mais bonita bicicleta da loja. 

- "Seu moço, quanto custa?" 

O negociante estendeu o lábio com desprezo: 
- "Tres mil cruzeiros." 

Tres mil cruzeiros?! 
Pedrinho coça a cabeça desanimado, 
mete a mão no bolso 
e tira, envergonhado, 
uma amassada notinha de dois cruzeiros. 
Sai da loja, 
sobe o morro 
e entra no barraco 
onde o tio dorme o seu sono de ébrio. 
Apanha uma lata vazia 
e guarda a velha nota. 
Era o início da luta: 
engraxa os sapatos, 
carrega água, 
guarda carros, 
aluga os bracinhos magros 
nas feiras de sábado... 
Quanto tempo! 
Quanto sacrifício! 
Quanto ponta-pé do tio embriagado, 
até ao dia em que Pedrinho pode contar: 
- 50, 100, 500, 1000, 2000, 3000 cruzeiros... 
Faz um pacote e desce o morro 
para o grande encontro. 

Na casa da esquina Pedrinho para. 
Havia tanta gente... 
Entra. 
Um homem de preto falando: 
"Irmãos, grande desgraça na China: 
doença, frio, falta de pão. 
Crianças morrem de fome, 
velhos perecem sob a neve..." 

Mostra fotografias: 
crianças amarelinhas, 
de mãos estendidas, 
os olhos amendoados no rostinho sujo. 

Passam uma bandeja pelo auditório 
e começam a cair as moedas. 
Pedrinho não entende porque dão dinheiro. 
As crianças da China querem pão. 
Ele não sabe onde é a China, 
nem o que é morrer sob a neve, 
mas sentir fome ele o sabe bem. 

O menino não resiste. 
Deixa o auditório, corre à padaria 
e começa a comprar muitos, 
muitos pães cobertos de açúcar. 
O preço do seu tesouro, 
toda sua economia de longos meses... 

Volta curvado sob os pacotes enormes. 
O homem de preto interrompe o apelo 
e Pedrinho explica: 
- "Moço, é para as crianças da China." 

A multidão está boquiaberta. 
Teria roubado? 
Interrogam-no. 
E a criança, fazendo força para não chorar, 
piscando para esconder a lágrima teimosa, 
balbucia: 
- "É o dinheiro da bi-ci-cle-ta verde..." 

Um murmúrio cresce no auditório 
de admiração e vergonha 
diante do sacrifício da criança. 
Os pães são vendidos por milhares de cruzeiros, 
maravilhosamente multiplicados 
como os cinco pães do menino galileu... 

As crianças da China teriam pão 
porque um menino pobre do morro 
dera tudo quanto possuía, 
seu sonho, 
sua bicicleta verde, 
seu primeiro amor... 

Talvez pareça um exagero de poeta 
numa tremenda força de expressão. 
Mas se sentirmos em toda intensidade 
o peso de toda a humanidade 
que geme sem Cristo, o verdadeiro pão. 

Se contemplarmos milhões de mãos crispadas, 
de almas revoltadas que suplicam amor, 
milhões de famintos, pobres que morrem de frio 
num mundo vazio - rebanho sem pastor. 

Se olharmos através do IDE de Jesus 
o campo enorme que é o mundo sem Deus; 
se sentirmos também de igual maneira, 
tudo entregaremos à Obra verdadeira 
de semear na terra para colher nos céus. 

Eu sou, tu és, nós somos responsáveis 
pelos que perecem sem amor, sem luz. 
Que Deus nos arranque do vil comodismo, 
nos faça mártires, se assim for preciso, 
mas que o mundo se dobre ao nome de Jesus. 



Do livro "Poemas para meu Senhor", Casa publicadora batista.

domingo, 20 de outubro de 2013

Soneto de Fidelidade

Vinicius de Moraes
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

MEUS OITO ANOS

Casimiro de Abreu

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!

Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
— Pés descalços, braços nus —
Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

................................

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Coração

Guilherme de almeida


Lembrança, quanta lembrança
Dos tempos que lá se vão!
Minha vida de criança,
Minha bolha de sabão!

Infância, que sorte cega,
Que ventania cruel,
Que enxurrada te carrega,
Meu barquinho de papel?

Como vais,como te apartas,
E que sozinho que estou!
Ó meu castelo de cartas,
Quem foi que te derrubou?

Tudo muda, tudo passa
Neste mundo de ilusão;
Vai para o céu a fumaça,
Fica na terra o carvão.

Mas sempre, sem que te iludas,
Cantando num mesmo tom,
Só tu, coração, não mudas
Porque és puro e porque és bom!